Tuesday, July 04, 2006

#02 Duke - Retorno à cena ou vida nova?

Aqueles olhos azuis pareciam sorrir ao encarar os de Duke. A fumaça do cigarro subia lentamente em um fino risco cinza no ar quando finalmente o silencio desconfortável foi quebrado com a firme e suave voz feminina:
__ Meu nome é Rita, Rita Comodoro, e vim até aqui ao seu encontro. Presumo que tenho algo para você.
__ Não, não seria possível – Responde com voz ríspida, trocando o susto pela atitude defensiva – Como você saberia meu nome e como saberia que viria aqui?
Á exatamente 5 horas atrás Raoul Duke se encontrava sentado em frente à mesa do diretor da Prisão Municipal de Santa Cruz, ansioso para dar o fora daquele lugar o quanto antes, mas é claro, tinha ainda que pegar o que lhe pertencia... O diretor Capitão Roque era um sujeito de aparência jovial, mas de feições duras. Dirigia a penitenciaria com “mãos de ferro”, a mesma rigidez penosamente adquirida quando servia à sua pátria. Com uma pasta na mão direita e uma bolsa de couro ao seu lado esquerdo da mesa, ele da um sorriso irônico e diz:
__Raoul, hoje é o dia... Ar puro, bebidas coloridas e garotas! Estou torcendo com todas minhas forças que não ocorra mais nessa sua mente descontrolada e impulsiva, acessos de raiva destrutiva, igual ao que lhe trouxe para esse agradável e correcional lugar - Mantendo o mesmo sorriso no rosto, coloca a pasta em sua frente e termina - mas lamento perder meu melhor preso, foi útil ter usufruído de seus serviços durante sua estadia no meu hotel.
A ironia e a ansiedade emanavam no ambiente de tal forma, que era quase palpável.
__Infelizmente não posso dizer que o prazer foi todo meu, mas prestar serviços para o senhor me trouxe vantagens, e não estou aqui para apenas me despedir ou ter uma conversa informal, quer meu cheque e um rápido adeus.
O governo local possui um programa ocupacional aos detentos, permitindo que o mesmo trabalhe enquanto cumpre sua pena, e em troca é depositado em uma conta da instituição um soldo para o condenado, sacado no termino da pena. E era atrás de irrisório, porém precioso cheque que Duke aguardava, e claro, seus únicos bens guardados na bolsa de couro.
__Divirta se mas administre bem sua nova vida! – Disse o diretor enquanto finalmente assinava o cheque - No final do setor industrial da cidade, há um bom lugar pra se pensar e calcular as probabilidades do futuro, não deixe de passar por lá.
Com o cheque dobrado no bolso esquerdo de sua camisa de flanela, Duke deu uma olhada rápida dentro da bolsa, uma camisa safári, óculos escuros, um boné azul marinho bordado na lateral de vermelho IEEE, canivete suíço e um isqueiro Zippo. Com um rápido aperto de mão ele se despediu do diretor, que mais uma vez o recomenda:
__Boa sorte Raoul e muito cuidado de hoje em diante, não quero ter que trancafiar você de novo em meu hotel – E agora mais uma vez com o sorriso irônico na cara, Capitão Roque continua – E depois que sacar sua pequena fortuna, passe no bar que lhe falei, vai ser produtivo...
Sem mais falso sentimentalismo Duke coloca a bolsa no ombro, e dar as costas ao diretor, atravessando o corredor, comprido com muros altos e guarnecidos com duas torres de segurança habitados por seres mal pagos e sanguinolentos. Eu não iria voltar para esse hotel infernal não, pensou Duke em um misto de alegria, euforia de desespero. Apressou o passo. Não se assustou com o natural impacto com a sociedade dita livre e normal, simplesmente respirou fundo e começou a aproveitar a liberdade, mesmo sabendo que também não seria tão agradável. Coisas ruins e estranhas aconteceram durante o tempo encarcerado. Caminhou por volta de uns 3 km até chegar à zona central, tirou o cheque do bolso e olhou mais uma vez o nome do banco onde deveria sacar o soldo adquirido, Truste & Financial Bank. Admirou porque o presídio possui uma conta em um banco americano, e não no banco utilizado pelo governo... Mas aquele não era o momento para se pensar nisso, era pegar o dinheiro e esfriar a cabeça em um bar e pronto, daqui em diante o que importava era o dia após o outro, e apenas isso.
E o bar era, Casillero del Diablo. O nome lavrado em uma peça de madeira bruta, e acima no centro, uma caveira de boi caracu e duas serpentes, uma saindo pelo olho e outra pelo orifício que um dia foi uma boca... E nele ocorria um dialogo promissor...
__Não se assuste Raoul. Você deve conhecer muito bem o diretor daquele pardieiro onde esteve, ele me disse que lhe encontraria por aqui.
Lembrando mais uma vez da recomendação do Capitão Roque “... um bom lugar pra se pensar e calcular as probabilidades do futuro, não deixe de passar por lá”, Duke calmamente começa a raciocinar sobre a situação. Reavendo seu sangue frio questiona:
__Você disse que tem algo para mim, o que seria?
No som, um quase interminável solo de Miles Davis e agora com o cigarro em um cinzeiro, a ruiva aproxima – se e abaixa o tom de voz:
__Um serviço que vai render para seu bolso 10.000 pratas. Preciso de um motorista eficiente e alguém que arrombe, com classe, um cofre SS 20 ECD. E antes que me responda, eu lhe digo, Não tem nada a perder meu caro.
Isso abalou o sangue frio de Duke. Aquela maldita prisão era o que, agência de reposicionamento para profissionais do crime? Meu ultimo banho foi na prisão, meu ultimo sono foi lá e já tenho uma proposta para transgredir novamente a lei. Diretor canalha me “indicou” para essa anormal, mas como a anormal disse: Não tem nada a perder! Certamente eu havia perdido tudo que tinha valor, e presumo que minha dignidade também, eu não tinha nada, nem futuro. Pensava Raoul quando tomou uma quase revoltada decisão.
__Dez mil, realmente é promissor Rita – Reabilitando a capacidade de cálculo e sarcasmo, ele continua – Diretor Roque provavelmente descreveu minhas capacidades. Como será e quando entraremos em ação?
__ Parece desesperado e inconseqüente Srº Duke, mas será extremamente fácil, e faremos daqui á algumas horas. Será que possui nervos suficientes para tal?
Duke percebeu o desafio que ela imprimia em suas palavras, e resolveu aceitar e encarar a situação até o final. Retirou – se até o banheiro, lavou o rosto, trocou a camisa e colocou o boné. Olhando para o espelho ele chegava a uma conclusão, sabia que daquele momento em diante sua vida mudaria, de forma negativa ele imaginava que mudaria para pior, mas ficar se lamentando não levaria a nada. Sentiu vontade de quebrar o espelho ao ver sua cara deplorável. A expressão mudou enquanto Raoul conclui que nasceu para ser o algoz e não a vitima que a tristeza impôs a ele até então. ...Esse sou eu, o dito livre-arbítrio e minha impulsividade me levaram a lugares estranhos e bem desagradáveis, ás vezes me levou a lugares onde realmente desejaria estar, mas tenho certeza que valeu a pena, e como valeu... E com um sorriso vitorioso e com ar de cruel mais uma vez ele dispersa os sentimentos ruins e caminha em direção da ruiva.
__Está tudo bem com você? – disse ela tentando disfarçar a inquietação - O que me diz?
__ Digo que quero agora todos os detalhes dos seus planos e pretendo saber quais serão exatamente minhas atribuições.

Rita demonstrou que havia assustado e gostado da determinação de Duke, e como o diretor falou, ele realmente seria uma peça importante para a pequena jogada.
__O cofre é de um contador corrupto envolvido em operações de lavagem de dinheiro - Rita agora falava no mesmo tom baixo, mas com uma empolgação notável – que guarda no seu escritório 10 folhas autênticas de títulos ao portador, e o valor de cada uma é aproximadamente de cem mil.
__ E como você vai liquidar esses títulos? Esqueceu que esta no fim do mundo, onde todos sabem o que todos fazem?
__ Relaxa meu caro, eu cuido disso. O que importa é o dinheiro que você irá receber, claro, se cumprir satisfatoriamente suas atribuições.

Duke compreendeu, mas sentiu uma pontada de receio. Seria seu primeiro assalto, e para agravar a situação, possuía um plano arquitetado por uma desconhecida que mal conhecia e se admirou de vê-la encher até o meio um copo de vodka e começar a beber com calma enquanto explicava os procedimentos que irão tomar daqui a algumas horas. “Antes da ação, uma bebida só, mas que seja forte o suficiente“.
__Espero que tenha entendido e completamente preparado. Estarei no local marcado, e sem atrasos...